O alvorecer apaga a luz cintilante das últimas estrelas.
O silêncio da noite, termina em bater de asas.
Um canto novo dos pássaros alegra o bosque
A água do Rio Capivari, profundo, em calma passa.
Ao nascente, a silhueta escura da serra do mar,
Protetora milenar do vento e temporal,
Parece aconchegar o campo aberto
Com verde poncho de grandeza mineral.
Grito agreste, do Tachã e a Saracura,
A Seriema andadora também canta sua tristeza.
O sabiá solta as notas de sua garganta com doçura.
O sol assoma em um amanhecer brilhante,
Mostrando entre os galhos, seu rosto amarelento.
Um Jeribazeiro balança e mexe sua folhagem,
Desenhando multiformes sombras agitadas pelo vento.
O Bugio acorda soltando o ronco - som de sua garganta!
Procura em galhos altos, o calor do novo dia.
O rocio aquecido da relva e flores, se levanta,
Dando ao bosque e ao pântano, perfume e harmonia.
Quem poderá debelar os mistérios deste campo extenso?
Só o índio conhece a magia da selva milenar.
O Guarani sombrio, era seu dono quando chegamos
Lançando mão do território imenso!
Os caminhos que a toda parte levam,
Empurrados pelo vento, rumo ao nada.
Ancoramos inconscientes na pátria Guarani,
Nesta parte de uma América indomada!
Campanha, Serra ou Pampa,
Só do índio, é esta terra abençoada,
A perdendo dia-a-dia, sem um lamento,
Como o canto triste do vento nas Taquaras!
De um lado, o barulhento mar bravio.
Implacável, agride a Terra da esperança.
Do outro lado, a gigante Lagoa dos Patos
Molha a praia num beijo de água mansa.
Para nós, invasores, terra e largueza
Que se estende em todo o sopro do minuano,
Condenando o montês índio, à pobreza,
Sem respeitar o mandamento do Cristiano.
Em preces, agradecemos ao Deus do alto.
Usufruímos desta Terra, a riqueza.
Condenamos uma raça à tristeza
De viver em uma nesga, ambos lados do asfalto.
Que destino terão as gerações
Destes pobres seres transplantados?
Nunca antes conheceram decepções
E hoje sofrem à sombra do aramado.
Vi uma mãe índia à beira desta estrada.
Tinha no rosto, a tristeza de quem não sabe chorar.
No regaço, o mais pequeno, com amor amamentava...
E seu olhar no terreiro, vendo meninos brincar:
Fogo fátuo no fundo de pupilas cristalinas,
Lentamente apagando a tristeza,
Suportando a dor da raça em ruínas,
Que ingênua e derrotada, sobrevive na pobreza.
Percebendo meu olhar, do chão pronto se levanta.
Se achega temerosa. Em Tupi, às crianças fala,
E o grupo de meninos, demonstrando medo,
Rumo ao cruel barraco de lona, se debanda.
Assim vive o índio em nossos dias.
Em fiapo, sua cultura se agarra à terra
Como a raiz do Tarumã entre os Cerros.
Com amor vegetal, abraça a pedra.
A Taba, já não existe nesta Aldeia.
Os cultos, com o tempo vão mudando.
Plástico preto, bambu e costaneira,
Fazem do montês índio, um ser urbano.
O sol alonga as sombras ao fim da tarde.
De nada vale do poeta, o lamento!
Em raios fracos no horizonte, apenas arde:
Como ao Guarani, o consome o sofrimento.
O barulho orquestrado do mato está calando.
As aves procuram plantas altas.
Asas que se aquietam em descanso.
A crepuscular noite do pampa está chegando
Vozes diferentes de um idioma se perdendo
Como o som cristalino de água na sanga.
No canto triste do Urutau, se ouve o lamento.
Roxo luto vestem, as frutas de Pitanga.
O sol afunda no horizonte. A noite chega.
Com seu manto de escuridão, cobre a terra.
Embaixo do plástico negro, o índio dorme a pena,
No aconchego cintilante das estrelas.
Baltasar Molina, Viamão, RS